Villeneuve vs. Scott
BLADE RUNNER: 1982 x 2017
    Apesar de se passar no mesmo universo e manter parte dos personagens,
Blade Runner 2049 muito se difere da produção original de 1982. O primeiro e
principal fator diz respeito ao protagonista: o que antes era um humano que se
angustiava amargamente por ser forçado à trabalhar novamente e entrar numa
jornada que o faz questionar se é mesmo humano passa a ser um replicante
que vive no conflito moral de caçar e matar seus iguais – mas que se apega na
esperança de que talvez não seja realmente um androide. Essa mudança
brusca no ponto de vista muda a filosofia do filme e torna ele não apenas mais
crítico – um escravo que extermina os seus – mas também mais profundo.
     O segundo aspecto se dá no tempo: o intervalo de 30 anos diegéticos entre
os filmes muda a ambientação e traz ao espectador do filme mais recente um
questionamento mais realista em relação à tecnologia e o consumo exacerbado
da sociedade contemporânea – afinal, muito do que vemos ali não está muito
distante do que vivemos (ou gostaríamos de viver) como geração dos avanços
eletrônicos, ao contrário do espectador de 1982, que tinha, por comparação,
pouquíssimo contato com tecnologia.
     Outro fator importante que diferencia ambas as obras é o olhar que 2049 dá
aos replicantes como um todo: mais do que apenas fugitivos, seres com
esperanças, sonhos e emoções reais. O primeiro personagem com quem
temos contato é assassinado friamente, mas fala brevemente sobre sua crença
no milagre da vida gerada por um androide. Depois temos K, o protagonista, e
Luv, a replicante que representa o dono da empresa mais bem sucedida em
fabricação de androides, mas que apesar de tudo sofre ao ver o tratamento que
os seus recebem pelo tal – e tenta não esboçar emoção.
    Apesar de trazer certo questionamento, o filme de Ridley Scott não se
aprofunda em questões emocionais do personagem – apenas brevemente no
sofrimento e as lágrimas na chuva de Roy, o replicante fugitivo que acaba
assassinado apesar de ter salvo a vida do protagonista – enquanto que a
versão de Villeneuve foca quase que apenas nas reações emocionais do personagem às situações em que ele é colocado: sua raiva e frustração, seu
amor, sua dor.
    Não última, mas a mais digna de nota que consegui lembrar no momento, a
diferença clara entre os pensamentos da época de cada filme pode ser notada
em suas respectivas produções. Enquanto o filme de 82 é moderno e traz
questionamentos que contrapõem as ideias clássicas, critica o capitalismo por
conta da crise financeira que os EUA sofriam na época, e a escravidão, que ameaçava voltar com força, o de 2017 segue questões internas e pós-
modernas: o existencialismo, o narcisismo e o individualismo são gritantes Questões emocionais sobre alma e essência e a hiper-realidade, criada a partir
do questionamento do que seria real e o que seria imaginário para um
replicante, são abordadas e refletem o pensamento contemporâneo do foco em
si próprio e na imersão em suas próprias questões em meio ao caos instalado
no mundo lá fora.
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